Medo sem nome

  


                                                   
  No mesmo momento em que sobram as palavras, elas também fogem quando procuro uma para definir o que senti.
  Acordei com minha vizinha dizendo que haviam entrado na minha casa, ela ao sair para trabalhar, viu meu portão aberto e meu carro que estava na garagem, também com portas abertas.
  Voltei de Uberlândia, onde tinha ido assistir a um show com meu marido em silêncio.
  Graças a Deus nada aconteceu com ninguém!
  Graças a Deus foram apenas partes do carro o que levaram, não entraram na minha casa!
  Mas a simples sensação de um estranho dentro do meu espaço, onde vivo com minha família, revirando o que é meu, mexendo, olhando, me causou calafrios!
  Nasci, cresci e vivi em São Paulo por 24 anos, onde passei por 4 episódios de assalto, e 1 aqui,  na nossa pacata cidade, mas acredito que desta vez me senti mais assustada, indefesa, meio sozinha!
  Tenho assistido meio atordoada a pessoas fazendo campanhas a favor da redução da maioridade penal e algumas até favoráveis a pena de morte. Sinto calafrios quando penso nisso!
  Não sou antropóloga, socióloga, nem analista social de nenhum tipo, nem vou me definir naquele padrão "cidadã, mulher, etc, etc". Sou apenas humana e o que me dá a certeza dessa definição é poder pensar, o pensamento nos difere dos animais. Eu penso, embora as vezes pense que talvez fosse melhor não saber faze-lo!
  Resumir a situação que atravessamos hoje a políticos corruptos, policiais despreparados, bandidos violentos e sociedade vítima, é perigoso demais, mas acredito que nos acalenta acreditar ser assim, uma equação simples! Tira nossa própria culpa, nossa parcela de responsabilidade!
  Somos, todos nós mocinhos ou bandidos, crias de nossa sociedade, crias de nossos costumes, crias de nossos valores ou da falta deles. Não quero justificar o marginal pelas diferenças sociais, nem todos que crescem a margem torna-se bandidos!
  Mas somos diversos, indivíduos únicos, nem todos reagem da mesma maneira ao mesmo estímulo! E o estímulo principal da nossa sociedade é ter! Esquecemos de ser há muito tempo!
  O consumismo é a aorta da nossa sociedade atual! O que temos é o que vai "irrigar" a vida ao nosso redor!
  A cada dia, a cada novo celular lançado muda nossa "necessidade", nosso carro torna-se ultrapassado todo final de ano, nossa roupa perde utilidade a cada 3 meses, o sapato sem as iniciais certas na lateral não abre portas, a bolsa precisa ter mais do que espaço para guardar nossos pertences, precisa de assinatura.
  Usamos internet pela tv, fotografamos com o celular, falamos pelo computador, isso claro, nem deixar de assistir filmes pela tv, falar com o celular, nem acessar a internet pelo computador! "Precisamos" da multiplicidade ao nosso redor! Da multiplicidade dos aparelhos e de nós mesmos!
  Aparência, carro, telefone, trabalho, sapato, roupa, clube, casa,..quase um "kit aceitação"!
  Se aos 40 acho isso tudo um porre, aos 14, 17, pode ser uma tortura!!
E na nossa pacata cidade isso tem uma força ainda maior! Tenho imenso amor e gratidão por Uberaba, mas não dá para negar que existem valores estranhos por aqui!
  Já perdi a conta de quantas vezes ouvi a pergunta "de que família você é?"   Como assim? Da minha oras! Conversas recheadas de sobrenome tem uma frequência bizarra! Ouvi de uma conhecida, pouco após abrir o Espaço Gaia, que se eu quisesse ter sucesso deveria "conviver com as pessoas certas, frequentar as festas certas e tratar muito bem as pessoas certas"!
  E isso não tinha nada haver com networking! 
  Era somente um ataque absurdo da mais pura mentalidade interiorana! Não consigo compreender este raciocínio, embora ele seja bastante visível!
  Estou longe de ser mais pura ou melhor, ao contrário, vivo em atrito constante com meus próprios bichos, mas ainda analiso as pessoas por outro ponto de vista que não seus sapatos.
  Claro que gosto e também tenho meus sapatos assinados, mas meu valor não está nos meus pés. Apenas gosto deles, assim como gosto de qualquer outro que calce bem meus pés e bolsos. E piso com a mesma segurança em cima de ambos!
  Diminuir a maioridade penal numa sociedade que classifica os seus pela aparência, para mim já seria  uma sentença fechada! Hipocrisia utópica falar de bem nascidos condenados! Pensar em pena de morte é presumir genocídio!
  Acho que já é passada a hora de rever nossas necessidades, assumir nossos pecados, rever conceitos e valores. 
  O mundo não vai acabar no dia 21 de dezembro, ele vem acabando um pouco a cada dia, e não se acaba somente nas grandes tragédias, ele se perde também nas "tragédias permitidas" do nosso dia-a-dia! A cada comentário maldoso sobre aparência ou preferências alheias,  a cada necessidade urgente de uma nova inutilidade, a cada mentira contada na vontade ser o que não somos, a cada gesto de esperteza para conseguir aquela vaga no estacionamento, a cada delicada infração quando dirigimos falando ao celular, colocamos filhos em filas diferentes no supermercado ou rapidamente estacionamos em fila dupla!
  Não há meio pecado, meio crime, meio erro, estamos seguindo e arrastando conosco uma sequencia de erros, pecados e deslizes, criando nossos monstros.     


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