A culpa da bicicleta



                   A CULPA FOI DA BICICLETA

O FATO:

  Ontem a noite, quando saia do Espaço Gaia, notei que havia um senhor deitado na calçada em frente, com uma bicicleta ao seu lado e hoje pela manhã quando cheguei, ele permanecia no mesmo lugar!
  Assumo entre a vergonha e a coragem que meu primeiro pensamento foi se tratar de um porre, um excesso de alcool, infelizmente tão comum nos dias atuais!
  Mas ainda que assim fosse, não acredito que haja alguém que mereça dormir e amanhecer numa calçada e querendo ajudar, mas com um pouco de confesso medo, tentei encontrar alguém que me auxiliasse.
  Liguei primeiro no 190 onde fui atendida rápido e atenciosamente e informada que deveria ligar para a Ronda Social. Na sequencia, tentei o Corpo de Bombeiros, onde fui igualmente bem atendida e orientada a ser eu mesma a verificar o estado em que se encontrava o tal senhor, pois apenas se ele tivesse machucado ou incapacitado, poderia ser ajudado.
  Ok. Fui até ele tentar descobrir se sentia alguma coisa, se queria que ligasse para alguém, enfim, saber o que se passava.
  Nada. Ele nada quis a não ser permanecer ali, deitado na calçada.
  Pouco tempo depois com o auxílio de uma aluna nossa, também muito preocupada com aquela situação, resolvemos novamente ajudar. Conversando com ele, descobrimos se tratar de um trabalhador, uniformizado inclusive, hipertenso e que por questões particulares, havia bebido um pouco na noite anterior, o que visivelmente provocara inchaços e mal estar. Providenciamos café, bolachas, cadeira, água, oferecendo um táxi para leva-lo para casa.
  Nova dificuldade: táxis não comportam bicicletas. Voltei ao Bombeiro, afinal ele não se encontrava bem fisicamente: bombeiros atendendo outra ocorrência, impossibilitados de socorre-lo no momento. Novamente a Ronda Social: a bicicleta não cabe na "van"!! Minha última tentativa, o Samu: não, não poderiam socorrer a menos que fosse algo grave! Mas disseram estarem a par de tudo e que mandariam a Ronda Social.
  Após 40 minutos a Ronda passou, mas não parou! Ligamos para tentar entender e nos foi explicado que não recolhiam bicicletas e nem pessoas que tem casa!
ENTÃO:
  Me considero, sem nenhuma modéstia, uma mulher sensata, inteligente e de personalidade serena. Mas há situações que falam tão alto, que são impossíveis a serenidade!
  O que acontece com as pessoas afinal? Nos tornamos reféns do próprio medo, íntimos apenas do nosso umbigo.
  Dormimos e acordamos com um ser humano em nossa calçada e isso se torna apenas um detalhe do dia. Passamos por ele pela manhã enquanto corremos para o trabalho, mas isso será apenas parte do nosso papo matinal no escritório. Aprendemos que é "normal" pessoas deitadas pelas calçadas, serão sempre alcóolatras, pedintes, indigentes, deixaram de ser humanos!
  Me lembro de uma situação, quando eu tinha uns 9 anos de idade em São Paulo e um senhor dormia na porta de um bar já fechado. Na manhã seguinte permanecia no mesmo lugar, afinal, estava tonto, diziam! Por volta do 12:00, alguém percebeu que ele estava morto! Tinha esposa, filhos, família!
  Não me tornei um ser humano melhor com este fato, não tenho a pretensão de dar lição de moral, ou de ensinar ninguém a viver! Eu ainda não aprendi!
  Mas acho que já nasci sabendo que não posso coisificar as pessoas!
 Também sinto medo claro! Senti medo quando me abaixei para perguntar o que ele tinha, mas acho que sentiria medo de mim, se não tivesse feito isso e mais tarde não houvesse mais nada a fazer!
  Fizemos o certo, mas vou terminar o dia sem conseguir entender um "pequeno detalhe" de tudo isso:
  A quem devo solicitar ajuda quando um trabalhador, hipertenso e com uma bicicleta se sentir mal pelas ruas?

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